Blogger a escolha mais difícil/Reprodução: Gemini |
Num panorama digital repleto de construtores “no‑code”, CMS headless e serviços que prometem pôr um site online em minutos, insistir no veterano Blogspot (Blogger) lembra remar contra a corrente.
É a rota dos inconformados: mais lenta, mais íngreme e frequentemente frustrante.
Porém, para quem quer “inventar a roda” — isto é, aprender cada engrenagem do processo de publicação web — poucas plataformas exigem (e devolvem) tanto quanto o velho motor da Google.
1. As pedras no caminho
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Arquitetura de 2004 em pleno 2025
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Templates XML: Enquanto WordPress usa um ecossistema de temas PHP+REST e plataformas modernas como Ghost apostam em Handlebars/Node, o Blogspot ainda depende de um parser XML proprietário.
Cada personalização exige lidar com b:tags, condicionais limitadas e um sistema de inclusão (
<include data='blog'>
) que engessa componentes.-
Pipeline de build inexistente: Não há Gulp, Webpack ou Vite integrados; qualquer otimização exige branch manual de CSS/JS, minify externo e re‑injeção no template.
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Ausência de back‑end real
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APIs apenas para postagens e comentários; nada de rotas dinâmicas, user roles avançados ou autenticação customizada.
Para um desenvolvedor moderno, isso equivale a construir uma casa sem banheiro: tudo que dependa de lógica de servidor (dashboards, áreas premium, integrações em tempo real) precisa ser serverless externo ou gambiarra via Apps Script.
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SEO sob restrições
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Controle limitado de structured data: inserir JSON‑LD exige colar scripts crus no
<head>
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Velocidade e Core Web Vitals ficam à mercê do histórico da plataforma (ex.: scripts do Blogger para comentários carregam mesmo quando desativados).
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URL scheme fixo (
/YYYY/MM/post-slug.html
) restringe estratégias de content pruning e migração de conteúdo; redirecionamentos avançados só via JavaScript ou centenas de entradas no painel.
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Fronteiras de design
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CSS moderno (Grid, flex gaps,
:is()
:has()) funciona, mas o painel ainda injeta CSS legado que conflita com resets. A ausência de _escopagem_ por Shadow DOM obriga prefixos e
!important` em massa. -
Carregar fontes self‑hosted implica hacks (Google Fonts inline ou
@font-face
em data‑URI) porque não há asset folder dedicada.
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Ecossistema morno
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A comunidade de desenvolvedores migrou para plataformas com mercado de plugins lucrativo.
Consequência: menos bibliotecas prontas, menos respostas no Stack Overflow, menos themes atualizados — e quase nenhuma inovação orientada a performance.
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2. Por que, então, vale a pena?
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Hospedagem gratuita e resiliente
Blogspot roda sobre a infraestrutura global da Google, com CDN integrada, redundância e uptime lendário — sem mensalidade. Para quem quer experimentar escalar tráfego ou aprender como um serviço tolera picos, é um laboratório sem custo.
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Liberdade de front‑end total
Ao não oferecer acessórios (Page Builders, widgets bloqueados), o Blogger entrega o “chão de fábrica” cru. Tudo o que aparece é código que você injeta. Isso força o desenvolvedor a:-
Optimizar cada byte de CSS/JS.
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Compor layouts sem dependência de jQuery ou frameworks pesados (a tentação de importar React acaba vencida pelo FOUC).
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Entender acessibilidade, performance e segurança a fundo, em vez de terceirizar para plugins.
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Exercício de engenharia de soluções
“Restrições geram criatividade.” Sem banco de dados? Aprenda a serializar em JSON e salvar no GitHub Gist via API. Sem rotas dinâmicas? Use
fetch()
+ query strings + JSON static hosting. Cada limitação vira motivação para construir micro‑serviços, descobrir o Google Apps Script, Cloud Functions ou até Cloudflare Workers.O resultado? Portfólio rico em casos de uso reais de serverless e edge computing.
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Controle absoluto sobre privacidade e ads
Diferente de SaaS que injetam rastreadores, no Blogspot você decide o que medir. Dá trabalho implantar consent mode ou lazy loading de pixels? Sim. Mas o aprendizado sobre LGPD/ GDPR é prático e direto, sem atalhos de plugin.
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Longividade e portabilidade de conteúdo
O formato Atom/XML de exportação existe há quase duas décadas e continua estável. Embora limitado, garante que, se um dia o projeto pedir um CMS headless, o conteúdo possa ser migrado sem lock‑in obscuro.
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Mentalidade hacker‑maker
Escolher o Blogspot é recusar o caminho das “receitas de bolo”. É decidir entender DNS, PWA, cache‑busting, schema.org, coresponsabilidade de DevOps (ainda que mínima) — tudo num só experimento.
Para freelas e consultores, essa bagagem diferencia no mercado: quem dominou as entranhas de um motor obsoleto tende a navegar com naturalidade por arquiteturas modernas.
3. Quando (não) faz sentido seguir por aqui
Cenário | Blogspot é o caminho? | Por quê |
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Blog de hobby/portfólio técnico | Sim | Custo zero + playground de front‑end “puro” |
E‑commerce | Não | Falta de carrinho nativo, SSL customizado complexo, integrações limitadas |
Startup SaaS | Não | Precisa de auth, DB, rotas dinâmicas, CI/CD |
Conteúdo estático, documentação, wiki | Talvez | Pode ser gerado offline e colado; mas um static site generator (Hugo, Astro) entrega melhor DX |
Projeto educacional para ensinar HTML/CSS | Sim | Permite demonstrar resultado ao vivo sem servidor |
4. Conclusão
Optar pelo Blogspot em 2025 é como restaurar um carro antigo: bonito no imaginário, duro na prática, mas formativo em cada arranhão.
Exige paciência para decifrar tags arcanas, disciplina para gerenciar assets manualmente e criatividade para driblar a ausência de um back‑end moderno.
Em troca, entrega autonomia incomparável, entendimento profundo de como a web realmente respira e, sobretudo, a satisfação quase artesanal de ver algo funcionar porque você construiu cada peça — não porque um plugin fez por você.
Para quem busca comodidade e time‑to‑market ultra‑rápido, há Wix, Webflow, Squarespace.
Para quem quer aprender de verdade, experimentar, quebrar e consertar — reinventar a roda com as próprias mãos — Blogspot continua a ser o canto da maratona onde os persistentes descobrem que o atalho mais curto nem sempre leva à vista mais alta.